Se você acompanhou "O Choro da Donzela" aqui no EL, já deve conhecer o trabalho fantástico da Laísa Couto. Fantasia, misticismo e encantamento são apenas algumas características de seus contos e livros, que sempre enfeitiçam a alma dos leitores que procuram conhecer um pouco mais de sua história. Hoje, trazemos para vocês "O Encontro" , uma história original e exclusiva da Laísa para o Escolhendo Livros. Boa Leitura!
Naquele momento, eu estava especialmente ansiosa. Nunca havia imaginado que finalmente nos encontraríamos. Como eu ainda o esperava, examinei a sala com curiosa cautela, era redonda, isso eu já sabia, com todos os objetos descritos em seus perfeitos lugares, como eu poderia esperar algo diferente? Dei alguns passos em direção a uma janela próxima, a noite era negra em contraste com os inúmeros pontinhos brilhantes que cintilavam distantes. Mirei a vastidão do horizonte se perdendo sob a escuridão, os vales estreitos daquele aglomerado de colinas pareciam ondas tranquilas perdidas no mar.
Meus pensamentos fugiram por um
instante, e num estalo voltei a minha realidade, será que ele estava
atrasado? Já tinha um certo tempo que eu
o esperava e nada... somente o sopro do vento gélido invadia aquela sala
circular. Me aproximei da lareira que ainda crepitava algumas fagulhas quentes.
Esfreguei minhas mãos para espantar o frio e dei outra olhadela pela sala... e
nada... Eu ainda continuava sozinha, admirei por um instante sua enorme mesa em
forma de meia-lua abarrotada por pergaminhos,
restos de tocos de velas derretidas num castiçal e uma coleção de penas
para escrever, eu bem o sabia que ele não era muito organizado, vendo o exemplo de
pilhas e pilhas de livros amontoadas pela sala, não consegui conter uma risada
interna.
Para me distrair um pouco, alcancei uma
pilha próxima e comecei a estudar um conteúdo , abri um volume encapado de
couro cru e surrado, quando uma voz falou:
“Desculpe-me a demora.”
Meu coração deu um salto e acabei
derrubando o livro no chão. Com rapidez peguei o livro e o devolvi a pilha,
preocupada em não fazer uma avalanche de livros. Escutei uma risadinha à minhas
costas, virei-me vagarosamente, contendo minha imensa curiosidade sob a
ansiedade. E lá estava ele, sentando sob uma poltrona de veludo cor de vinho
diante a lareira, que agora crepitava mais viva
que nunca, presumi que ele tinha aproveitado de sua arte para tal feito
e dirigi-me silenciosa para outra poltrona a sua frente, a qual indicara para
eu sentar. Depois disso, o silêncio se prolongou ainda mais e eu me recusava a
quebrá-lo, mirando meus dedos que eu estalava nervosamente.
- Presumo que tenha esperado muito tempo
para este encontro. E julgo que não jogará esse momento fora, não é mesmo? -
Sua voz era mansa, mas tinha um certo tom de divertimento.Eu tomei fôlego e disse:
- Ok, o senhor acha que estou com medo,
não acha?” - respondi com outra pergunta, encarando-o dessa vez. Seu cabelo
ralo e desgrenhado não escondia as sardas que idade adquirira sobre o couro
cabeludo, os fios finos e alvos caiam sem disciplina para os lados, sem
demonstração de que foram penteados. Sob os olhos pequenos e negros, as
pálpebras caíam pesadamente enrugadas atribuindo-lhe um olhar cansado e sério,
no entanto com uma profunda e misteriosa brandura. Vestia uma capa com capuz de
linho grosso cor verde-mugo, que escondia as vestes marrom internas sobreposta
por um colete dourado. Sob o colo, descansava um chapéu em
forma de cubo na cor lilás, suas abas eram muito largas, o suficiente para
proteger os ombros e estava extremante amassado, como se o dono tivesse sentado
várias vezes em cima por engano. Meu olhar procurou por mais um acessório, que
eu sabia ser o objeto inseparável daquele que estava sentado a minha frente e
logo o encontrei encostado no espaldar da poltrona – o cajado, um instrumento
aparentemente tosco, feito de raízes retorcidas prendendo uma pequena esfera na
cor esmeralda na ponta superior.
-
Não, nunca achei que tivesse medo
- respondeu ele sem hesitar e retribuindo o olhar penetrante. “ Também estive a sua espera, achei que nunca
a conheceria pessoalmente. No entanto, o
grande dia chegou e cá estamos, o criador e a criatura. - Eu senti meu sangue
correr para as maças do meu rosto ao escutar as duas últimas palavras. - Sinto que veio a procura de respostas a
muitas indagações pertinentes que o tempo não foi capaz de pontuar... Revelo a
você, que minha mente anda ultimamente tão nublada quanto a sua, menina. Até
parece que não conhece o velho Zagut...
- Zucchius Zagut Nicolai Vitruvius
Furnerius – recitei, lembrando-me do dia que procurei esses nomes num livro
velho de astronomia. Zagut deu um grande sorriso. “Ah..senhor...”
- Zagut, simplemente Zagut - interrompeu
e corrigiu, sem parecer irritado.
Eu apenhei um caderninho dentro do bolso
da minha jaqueta jeans e uma caneta, antes de começar de novo, Zagut ficou
muito interessado no objeto cilíndrico e com demasiado interesse perguntou o
que era.
- É uma caneta esferográfica -
respondi rabiscando numa das folhas do caderninho.
- Oooh! - exclamou ele surpreso ao
ver a tinta preta saindo do fino tubo.
-É com essa espécie de mágica que vocês do outro mundo usam para
escrever sobre o pergaminho? Muito interessante!
- Ah, não Zagut, não é mágica. A
tinta...a tinta fica dentro desse finíssimo cilindro aqui dentro, olhe... -
Então, eu mostrei a caneta a ele, que a examinou com cuidado, forçando a vista
e se aproximando mais do fogo.
- ESFEROGRÁFICA... Nome incomum esse, vou acrescentar ao
meu dicionário!” - disse ele contente, satisfeito com a recém descoberta
palavra e devolvendo a caneta a mim.
- Acertou quando disse que eu vim atrás de respostas, Zagut – confessei,
pois eu como ninguém sabia que o mago tinha o dom de captar e antecipar um
assunto antes mesmo que lhe contassem. - Sei que me conhece melhor que eu o
conheço, sei que conhece minha estória, os personagens vividos em minha mente,
e toda aventura inacabada.... Vim até aqui para desvendar o grande mistério,
sei que o senhor conhece o caminho, eu penso...eu tento...mas parece que tudo
escapa a minha memória, que quanto mais eu busco sobre essa verdade irreal,
mais me sinto tudo escorrer pelas minhas mãos... Eu procuro ver além de sua
mente, e não consigo ver mais nada... - eu disse, com uma pontada de frustração
e uma enorme vontade de chorar.
- Já pensou, minha cara, que talvez
não haja segredo algum para desvendar? - disse o mago com delicadeza. - O
mistério tem vida própria, só ele decide quando deseja se revelar. Não, não é
verdade quando diz que não me conhece, me conhece tão totalmente ou melhor do
que eu poderia julgar, afinal, sou apenas criatura, sou o reflexo dos resquícios
da sua boa alma, menina. Conheço-a...conheço-a o suficiente, mas não
completamente, o que eu conheço já basta para saber que tem vontade e coragem
para seguir, só basta ter a consciência de que não estará sozinha, pois tem a
mim e muitos outros amigos, imaginários,
no entanto amigos de verdade. - Eu anotava rapidamente no caderninho
algumas de suas sábias palavras para não esquecer. - Nos momentos de angústia,
não precisará vim
de tão longe para me consultar, sou somente um velho mago, cheio ainda de muitas
tarefas a cumprir, você sabe disso, me incumbiu de realizar importantes feitos
e sabe que não posso falhar... por isso preciso de você em paz. As notas
melodiosas do seu coração precisam continuar cantando para que Lagoena viva,
entenda, agora não é mais pela dor, mas pelo amor....pelo amor de viver,
necessitamos que viva para vivermos também...”
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