Bom dia, gente linda!
Depois de anos mil, voltei, como sempre faço; espero todo
mundo me esquecer e depois volto com um texto lindo e revolucionário que não
muda nada na vida de ninguém e é mais ou menos sobre isso que eu vim falar
hoje. Antes, gostaria de apresentar a nova ~seção~ do blog, que é esta, que eu
inauguro agora. Geralmente, no Paralela Mente (odeio quando rima) eu falo de
coisas que não têm muito a ver com nada, mas hoje o negócio é estritamente
literário, por isso julguei necessário vir a este espaço reservado porque não
sou obrigado. Digo, ainda, que o texto hoje é um pouco sério, longo e talvez possa
destoar um pouco do tom jocoso que eu geralmente uso nas minhas postagens, mas
não se preocupem: ainda sou eu. Vambora?
Este texto começou a
ser escrito na minha cabeça dentro do ônibus, no caminho de volta pra casa,
agora, às onze e poucos – e é esse o motivo de eu estar escrevendo ao adiantado
da hora; se eu deixasse pra amanhã as coisas se esfriariam na minha cabeça e
talvez não saíssem da forma como as concebi quando comecei a fertilizar todas
essas indagações que eu vou propor aqui agora (comecei a escrever isso ontem à noite, gente, relevem os dêiticos, hehe). Além disso, não, pera, não tem
além disso. Ah, sim. O título. Fiquei um bom tempo pensando num título justo
pra esta postagem, mas a única coisa que me veio à cabeça foi isso. “Mas pera
aí”.
No curso de Letras, o qual eu estudo, feliz ou infelizmente
existem matérias das quais não se pode escapar. Embora eu, do alto da minha
coroa de plástico, me intitule um escritor,
confesso que nunca fui muito chegado a Literatura, com letra maiúscula, aquela que vale muito e é discutida nos círculos intelectuais; esse
negócio de ler os clássicos, Dom Casmurro, Dom Quixote, Memórias Póstumas, Saramago
e outros tantos que fazem parte do cânone da Literatura latino-americana, brasileira, portuguesa, lusófona ou whatsoever sempre me
remeteu a uma frase dita por Aline Dorel, personagem do Terça Insana, que é
praticamente um life motto: “Deixe-me
ser burra! Ser intelectual dói!”. Assim sendo, não é de se surpreender que eu
não tenha lido Dom Casmurro, ou Memórias Póstumas, ou Grande Sertão, ou Iracema
e uma longa, longa lista. E, para a minha
surpresa, isso gera reações como: “Minha nossa! Você é aluno de Letras e não
leu Dom Casmurro?! Até eu já li!”.
Gente?
...
Não li e, francamente, não tenho a intenção de ler, a não
ser que isso seja cobrado em alguma prova e eu não tenha escolha né, aí é outra
história. Mas aonde quero chegar com isso é: no curso de Letras, tive (ainda tenho) o
privilégio de conhecer professores ma-ra-vi-lhosos, especialmente Bruno, Carlos
e Luciana – faço questão de citar os nomes –, que me fizeram enxergar as coisas
por um outro viés, e isso se deu por um segundo motivo que me afasta da
Literatura com L maiúsculo: eu não tenho muita paciência pra poesia. Melhor: eu
não tenho sensibilidade poética; não consigo ler as entrelinhas; não consigo
traduzir as imagens. Quer ver só? Eugénio de Andrade, poeta português, escreveu
isto:
Colhe todo o oiro
Colhe
todo o oiro do dia
na haste mais alta
da melancolia.
Colhe todo o oiro do dia na haste mais alta da melancolia. Quatro versos, uma sentença e, essencialmente, uma mensagem: encontre proveito
mesmo nos momentos de tristeza. Não fosse a belíssima elucidação do Dr. Carlos,
eu poderia passar o resto da noite relendo o poema que, provavelmente, não chegaria a essa
conclusão. Segundo ele, era essa a onda do Eugénio: dizer muito usando pouco.
Daí eu penso: nossa, bem pensado, né? Ouro, haste mais alta da melancolia...
Bacana, mas
O QUE É QUE ISSO MUDA NA MINHA VIDA?
Eu não sei se isso é pensamento geral, mas tem-se como
verdade (quase?) absoluta entre meus queridos professores que a boa literatura é
aquela que muda, que cinde, que bate na cara, que te transforma de algum modo,
que te faz enxergar o mundo com outros olhos, que te torna crítico e que faz inúmeras
outras coisas por você. Isso é tido como boa
literatura. Se você sai de um livro do mesmo jeito que entrou, então ou o
livro não é bom ou você é um leitor medíocre. Se não me falha a memória, essa ideia começou em literatura em Língua Portuguesa, pelo menos, com os modernistas de Portugal, que ficavam indignados ao verem as pessoas indo assistir a musicais da Broadway enquanto o mundo jorrava sangue judeu e Francisco Franco tocava o terror na Espanha. Daí vem José Gomes Ferreira com todo seu ódio no poema XL (quarenta) e mete o pau nas formas de expressão artística sem engajamento social.
Mas pera aí
Quer dizer então que se a Literatura não for lifechanging, ela não tem valor?, não é boa?
Vou usar outros exemplos pra aproximar as coisas. Seja eu o
exemplo. Sou professor de Inglês, ok. Na minha turma, e até dentro do curso de
Letras, sou o “sabidão”. Daí eu penso: “sou f*da demais, por favor”. Por outro
lado, onde trabalho existem pelo menos três ou quatro que sabem trinta vezes mais Inglês do
que eu. Daí eu penso: “aff, não sei nada, velho”. Mas o fato de eu saber menos
do que outros necessariamente quer dizer que eu sou inferior ou pior?, ou que eles são melhores professores do que eu? Pelo fato de
existirem autores que escreveram histórias que mudaram o rumo da Literatura, os
que não escreveram histórias tão importantes ou impactantes são “piores”?
Shakespeare, que foi praticamente Deus na Literatura ocidental, escreveu Romeu
e Julieta, talvez a maior tragédia de amor da história da humanidade,
exagerando um pouco (muito); por esse motivo ele é melhor do que Nicholas
Sparks, que escreveu romances que terminaram da mesma forma (ou melhor: só escreveu
romances que terminaram da mesma forma)?, ou, como se diz mais comumente,
Nicholas é pior do que ele? Ou,
ainda: Nicholas é ruim? Vejam bem: nessa comparação, não estou me referindo a forma: estou falando do conteúdo. É certo que Literatura tem que ser vista pelos dois lados, forma e conteúdo, e eu sei que Shakespeare sabia jogar com as palavras como muito poucos. Aquela frase "A horse, a horse, my kingdom for a horse!" (da peça Ricardo III), por exemplo, é de arrepiar, mas e o conteúdo? Comparando storylines, ele não escreveu, em Romeu e Julieta, nada muito diferente do que o Sparks escreveu em todos seus romances; só há alguns séculos e contextos culturais de diferença.
O que é que determina se uma história é boa ou ruim, afinal?
O que é que determina se uma história é boa ou ruim, afinal?
Geoffrey Chaucer, conhecem? Praticamente o pai da literatura
inglesa; o primeiro escritor a usar o Inglês como língua de produção artística em vez de Latim, Francês ou Grego. “Os
Contos da Cantuária”, por exemplo, são um registro histórico preciosíssimo
sobre os tempos da Idade Média, mas, pelo menos eu, quando li o conto da Prioresa,
o conto da Freira, o conto da Wife of
Bath, textos que constituem os cantos da Cantuária, fiquei tipo:
![]() |
Who cares? |
Outro exemplo, agora na música. Vejamos o sertanejo
universitário, muito em voga ultimamente. Letras com ambiguidades de
criatividade duvidosa, rimas pobres, ritmo grudento, métrica manjada e arranjos
semiprontos. Michel Teló. Gusttavo Lima. Todas as duplas sertanejas que possam
existir. Do outro lado temos Mozart, Beatles, Radiohead, Björk, Chico Buarque,
Maria Bethânia. E aí? Quem é bom e quem é ruim? Adoro Björk, mas tenho pavor a
música sertaneja, assim como não me simpatizo nem um pouco com MPB. Quão inculto sou eu? Quão
inculta é a menina que está na balada curtindo um Ai Se Eu te Pego? Talvez ela não seja inculta,
assim como eu não sou, e isso se dá por um motivo muito simples: eu não sou público alvo
do Michel Teló, assim como ela não deve ser público alvo do Mozart. Por que é
que eu vou fazer juízo de valor sobre algo que não foi feito pra mim? Os Cantos da Cantuária não
foram feitos pra mim, assim como 50 Tons de Cinza não foi feito pra ativistas
feministas. Mas isso define o que é bom o que é ruim?
E ainda que partíssemos, agora, para a parte da forma: ora, eu sei regência verbal e nominal, sei manter a concordância em frases longas com a sintaxe totalmente invertida, sei muito bem onde e quando colocar vírgula, ponto, ponto e vírgula e ponto final, faço uns trocadilhos até interessantes e crio uns diálogos que julgo muito bons. Mas escrevo o quê? Literatura gay. Por mais que eu confie na minha escrita, quem pode/deve/vai avaliar com justiça se eu sou bom ou não? Um leitor de Dan Brown?
E ainda que partíssemos, agora, para a parte da forma: ora, eu sei regência verbal e nominal, sei manter a concordância em frases longas com a sintaxe totalmente invertida, sei muito bem onde e quando colocar vírgula, ponto, ponto e vírgula e ponto final, faço uns trocadilhos até interessantes e crio uns diálogos que julgo muito bons. Mas escrevo o quê? Literatura gay. Por mais que eu confie na minha escrita, quem pode/deve/vai avaliar com justiça se eu sou bom ou não? Um leitor de Dan Brown?
Já que é assim, o é um bom
livro, afinal?
Pra mim, o bom livro é o livro que te serve pra alguma
coisa. Camões escreveu 8816 versos decassílabos heroicos com rimas ABABCC em “Os
Lusíadas”. Sabe o que é isso? Olha só:
A segunda/terceira/quarta + a sexta + a décima sílaba poética são tônicas e os versos AA, BB e CC rimam. Todas as 8816 linhas da epopeia são assim. Imagine quanto tempo levou pra construir isso. Camões o fez. Além, é claro, de ter descrito as mulheres mais lindas do mundo em seus sonetos de amor. Mas a viagem de Vasco da Gama me serviu pra quê? As mulheres loiras e brancas feito a luz me serviram pra quê? Absolutamente nada. A maestria do poeta justifica a bondade da obra? Desculpa, mas, pra mim, não. É, lindo, é sim, mas pra mim não teve nenhum propósito. Por outro lado, tem um livro desses de banca de jornal com nome de mulher (os quais eu defendo até a morte que todos deveriam ler) que me custou R$2 e foi uma das histórias mais legais que eu já li na vida, pena que eu não lembro o nome.
E|ter|nos| mo|ra|do|res| do| lu|zente (A)
Es|te|lí|fe|ro| pó|lo, e| cla|ro as|sento, (B)
Se| do| gran|de| va|lor| da| for|te| gente (A)
De| Lu|so| não| per|deis| o| pen|sa|mento, (B)
De|veis| de| ter| sa|bi|do| cla|ra|mente, (A)
Co|mo é| dos| fa|dos| gra|ndes| cer|to in|tento, (B)
Que| por| e|la| se es|que|çam| os| hu|manos (C)
De As|sí|rios|, Per|sas|, Gre|gos| e| Romanos, (C)
A segunda/terceira/quarta + a sexta + a décima sílaba poética são tônicas e os versos AA, BB e CC rimam. Todas as 8816 linhas da epopeia são assim. Imagine quanto tempo levou pra construir isso. Camões o fez. Além, é claro, de ter descrito as mulheres mais lindas do mundo em seus sonetos de amor. Mas a viagem de Vasco da Gama me serviu pra quê? As mulheres loiras e brancas feito a luz me serviram pra quê? Absolutamente nada. A maestria do poeta justifica a bondade da obra? Desculpa, mas, pra mim, não. É, lindo, é sim, mas pra mim não teve nenhum propósito. Por outro lado, tem um livro desses de banca de jornal com nome de mulher (os quais eu defendo até a morte que todos deveriam ler) que me custou R$2 e foi uma das histórias mais legais que eu já li na vida, pena que eu não lembro o nome.
Esse mesmo professor Carlos uma vez disse: a Literatura não serve
pra nada, e é por isso que ela serve pra tudo. Com esse sabor de mistério,
retiro-me para as sombras e deixo a pergunta: pra você, o que é boa Literatura,
afinal? Tenham todos um lindo dia e até a próxima (serei menos sério na
próxima, prometo). Beijo.


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